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sexta-feira, 9 de março de 2012

Molho e Anna Kariênina

A história a seguir é verdadeira. E para que não paire nenhuma dúvida sobre os fatos, informo que meu irmão era adulto quando fez isso.

Um amigo do meu pai se dizia um grande especialista em macarrão alho e óleo. Um dia, para provar, convidou os amigos para experimentarem sua pasta. Meu pai e meu irmão foram. Tudo muito bem, todos bem servidos, e quando o anfitrião perguntou ao meu irmão se ele estava gostando do macarrão, a resposta foi:
- Está bom. Mas ficaria melhor com molho.
Olhares confusos e envergonhados. O anfitrião se dá ao trabalho de esclarecer:
- Veja bem, é um macarrão alho e óleo. Ele é assim mesmo, não tem molho.
Meu irmão se manteve firme:
- Eu sei que alho e óleo não tem molho. Mas mesmo assim ficaria melhor com molho. De tomate. E carne moída.
Depois de me contar essa história, ele acrescentou - "nunca mais fui convidado pra comer macarrão alho e óleo depois disso".

***

Meu problema com Anna Kariênina é parecido. O livro é excelente. As primeiras cem, duzentas páginas, são pra ler sem parar. O livro já começa com tudo, com situações envolventes, e os personagens nos são apresentados já no meio de conflitos. As descrições são primorosas e envolventes. Como esta, de

Stiepan Arcáditch não escolhia nem as tendências nem as opiniões, eram antes as tendências e as opiniões que vinham a ele, assim como não escolhia o modelo do chapéu ou da sobrecasaca, mas adotava o que os outros vestiam. E, para ele, que vivia num ambiente social em que a necessidade de alguma atividade intelectual se desenvolvia, de hábito, na idade madura, ter opiniões era tão indispensável quanto ter chapéu.
p. 22

isto para falar dos personagens. Quando descreve situações, Tolstói também consegue ser muito feliz. Descrições como o trabalho no campo ou uma cena de casamento, que normalmente fariam o leitor pular as páginas ou se perguntar quando aquilo termina, conseguem ser interessantes. É um livro que você lê com o prazer de acompanhar vidas e não na ansiedade de terminar a história. Quando convém, Tolstói resume tudo numa frase e sabemos que o tempo passou. É um escritor com total domínio da sua obra, em nenhum instante a história parece lhe fugir às mãos.

Minha queixa é de algo que eu sei que Tolstói trabalhou duramente para conseguir, e que parece agradar à maioria dos seus leitores: a imparcialidade do narrador. Os personagens são apresentados conforme as situações e pela maneira como os outros os vêem. O autor jamais mostra preferência por alguém, ou emite um juízo de valor sobre o que qualquer um deles está fazendo. Nem ao menos obtemos pistas, seja pelo espaço que ocupa nas descrições ou por ironias. Essa imparcialidade me exaspera um pouco. Talvez eu queira molho onde é sem molho. Minha sensação é a mesma de ir ao cinema sozinha e depois não ter com quem comentar. Senti falta da narração ser um pouco mais próxima, de Tolstói dizer em algum momento que Vrónski é um vaidoso e Liéven um bom sujeito. Só isso, não precisa mais. Porque eles são, o autor mostra que são. Custaria tanto reconhecer?

4 comentários:

  1. Bom, vamos lá, limpando a garganta e estralando os dedos de prazer. (Sempre bom a vingaça.) Repito ipsis litteris o que você me disse no post de ontem sobre literatura brasileira:

    "Você rejeita e reclama tanto."

    (suspiro de prazer.)

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