A minha mais distante memória é de uma mulher com vestido florido abaixo
dos calcanhares e óculos grossos bifocais me dizendo sobre os
benefícios de se levar uma vida reta para fugir do fogo do inferno.
Todas as outras incursões em meu passado além desse momento resultam em
borrões de quedas de velocípedes, os besouros que me aterrorizavam
invadindo a casa, o sorriso de meu pai, o cheiro de baba no travesseiro
da minha mãe, a minha cadela Paquita, vestígios da lembrança da febre da
catapora, o som dos postes de madeira estalando nas tardes de ventania.
Nada que se iguale em impacto aos relatos das chamas eternas que essa
mulher me dizia, com a voz doce e estranhamente consoladora. "Se você
aceita Jesus no coração desde agora, jamais irá passar por esses
sofrimentos. Crescerá uma pessoa boa e cheia de paz no coração." Desde
cedo tive a certeza de que as seis mulheres que me amaram e com quem
morei até os meus dez anos, o faziam cada um da sua maneira e com
profunda sinceridade, tanto que essa senhora, que era uma das minhas 3
avós_ ou a minha madrasta-avó_ recorria a ingênuos artifícios de
desobstrução do peso daquelas imagens do inferno ao me trazer a maior
das maçãs, ou me dar um abraço e um beijo fortíssimos que determinava de
vez que nenhum demônio iria ter forças para me tirar daquela fortaleza
de proteção.
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