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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Olga

Eu não tive curiosidade para ver o filme Olga porque todos foram unânimes em dizer que ele reduzia o livro a uma história de amor, que retirava dele todo conteúdo político. Vista como história de amor, a união entre Prestes e Olga teria os elementos de um amor trágico, no sentido mais grego: o protagonista como um simples joguete nas mãos de um destino cruel. O amor entre Prestes e Olga é apenas uma parte da vida de ambos, é a união de dois idealistas que lutam juntos em nome de algo maior. O livro nunca pretendeu ser a história desse amor; nele não está descrito o primeiro beijo, se eles resistiram um ao outro ou se viram a sua união como algo previsível e conveniente.  Fernando Morais, através da figura de Olga, conta um pouco da história da fracassada tentativa de uma revolução comunista, do getulismo e da tortura.

Sempre ouvi falar de intervenções do FBI e agências de outros países do Golpe de 64, mas tudo sempre me soou muito vago e meio sem sentido. A minha geração não viveu a Ditadura, e lembra - quando muito - da morte de Tancredo Neves como um dia que não teve aula. Intervenção de outros países, luta entre direita e esquerda e espionagem nos soam muito distantes, quase como uma paranóia. O livro Olga traz esse período de volta. Ele mostra uma esquerda organizada de uma maneira que eu jamais tinha lido. Ser comunista era um modo de vida, quase como um emprego. Olga começa sua carreira aos quinze anos, e sobe rapidamente no partido por ser estudiosa e destemida. Vemos Olga fazendo propaganda, administrando cursos, estudando material revolucionário, insistindo no treinamento para a luta armada, usando vários documentos falsos. A luta sempre foi para ela uma escolha. Ela esteve perto da morte e prisão muitas vezes antes de finalmente ser presa grávida-de-Luís-Carlos-Prestes-e-querer-ter-seu-filho-no-Brasil. Correr riscos fazia parte do pacote.

Berlim, fevereiro de 1938
Carlos:
Posso dizer-lhe que, junto com o 5 de março de 1936, o 21 de janeiro de 1938 foi o dia mais negro da minha vida. Frente a tais acontecimentos, fica-se diante da alternativa de sucumbir ou tornar-se mais dura. E você sabe que, para mim, só existe a segunda alternativa. Para isto, felizmente, ajuda-me bastante o fato de que sou capaz de distinguir entre a insignificância das questões pessoais e os acontecimentos históricos mundiais do nosso tempo. Mas no meio de tudo isso há algo bom: todo o meu amor e o meu carinho não poderiam substituir, para a pequena, o que ela precisa da vida. Lígia escreveu-me contando que Anita brinca com a bolsa dela, com a caixa de pó-de-arroz, o telefone e a maçaneta da porta, que anda pela casa, que tomou café-da-manhã no vagão restaurante de um trem. Tudo isso soa para mim como um conto de fadas de antigamente...
Pedi a Lígia que fotografasse um sorriso de Anita para você - o que se diz é que o sorriso dela encanta as pessoas. E é esse doce sorriso da nossa pequena que encerra um sopro de felicidade para seus pais. 
A tua,
Olga
(pág 253)

É impressionante ler que o casal Arthur e Elise Ewert - que veio para o Brasil ajudar na revolução que teria Prestes como líder - foi torturado durante uma semana inteira, com alternância de carrascos, sem poder dormir durante um minuto sequer, e que não deram uma única informação para a polícia. Depois do fracassado golpe, um a um os nomes vão surgindo, e as pessoas vão sendo interrogadas, torturadas, resistem ou entregam os companheiros, morrem. É como assistir o avanço de uma nuvem negra, sabendo que a tempestade chegará mais cedo ou mais tarde. Prestes e Olga são os últimos a cair e, quando finalmente acontece, são amparados pelo que ela chama de "distinguir insignificância de questões pessoais e os acontecimentos históricos mundiais". Os dois lados estavam dispostos a matar e morrer. Existe uma aceitação; eram pessoas que acreditavam estar construindo um mundo melhor, e suas vidas eram apenas uma ferramenta. Essa perspectiva de vida que não existe mais. Hoje não somos capazes de crer nem no sucesso de uma revolução, quanto mais colocar em risco nossa família e conforto em nome de uma. O livro mostra que o não foi apenas o comunismo que perdeu para o getulismo, ou Olga que perdeu a vida - todos nós perdemos o sentido de sacrifício à uma ideologia.

5 comentários:

  1. Li este livro há uns cinco anos, pegando-o emprestado da biblioteca municipal. Pela primeira vez concordo com um memorável comentário do Paulo Francis na contracapa: com o prazer que uma leitura destas dá, quem precisa de drogas?

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  2. Tu sabes que não acho que ter filhos é a causa e destino de toda existência humana, a última bolachinha do pacote, etc. E nem faço pregação para que todo mundo tenha. De modo algum. Mas, te digo, para mim, ler esse parágrafo sendo pai adquire um sentido (uma experiência de emoção) realmente nova e espantosa.

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    1. Tenho certeza que sim. Assim como sei que teria sofrido muito mais com a descrição da cena que tiram a filha dela se eu tivesse uma filha também.

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    2. Sobre isso, nem consigo imaginar! O Lacerda esqueceu por completo todo esse sofrimento, chegando a defender Getúlio posteriormente. Aos dois, não nutro nenhum respeito.

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    3. Lacerda defender Getúlio, pra mim, só confirma o que eu disse no texto. Eles punham a "história" em primeiro lugar. Hoje não faz mais sentido.

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