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Mais sedentários, mais gordos, com mais problemas de saúde. A quantidade de campanhas, dicas, preocupações, especialistas, histórias de sucesso e publicações sobre o assunto demonstra o quanto é cada dia mais difícil se manter magro e saudável - termos que aparecem sinônimos mas não são. Há poucas décadas essa discussão não aparecia porque ser magro era o natural. Basta olhar fotos ou filmes mais antigos para perceber isso. Mesmo as pessoas consideradas gordas na época não o eram tanto assim, quando comparadas com os gordos de hoje. As pessoas não pensavam no assunto e não precisavam investir tanto esforço para se manterem magras.
O próprio estilo de vida das pessoas as mantinha assim. Além da nossa alimentação ser mais rápida, pobre e açucarada, a tecnologia nos cercou de conforto. Além dos grandes esforços que se deixou de fazer ao andar mais de carro e deixar de subir escadas, a tecnologia nos poupou de vários e pequenos esforços o dia inteiro: não é preciso lavar louça, não é preciso lavar a roupa e nem torcer, não é preciso sovar a massa de pão ou fazer qualquer tipo de massa, não é preciso fazer força para girar o volante ou abrir os vidros do carro, digitar não demanda a força que era necessária na máquina de escrever, basta apertar um botão para mudar de faixa ou canal. Quanto mais dinheiro se tem, menos esforço físico é preciso fazer para viver. Em outras palavras: esforço físico é coisa de pobre. A melhor crítica que vi a respeito da tecnologia do conforto foi no filme Wall-E (1:06):
Em contraste à tendência natural de engordar, nosso padrão de beleza está cada vez mais magro. Mas não a mesma magreza exibida pelas gerações anteriores, a magreza "natural". A magreza que os padrões de beleza procuram nos impor é uma magreza "trabalhada", de músculos definidos. Para chegar a ela, não basta resistir às guloseimas e comer alimentos mais saudáveis. Também não basta fugir do estilo de vida sedentário. É uma magreza buscada ativamente, que demonstra grande investimento no corpo - através de plásticas, alimentação rica em proteínas, uso de hormônio e muitas horas de academia. Especialmente nas mulheres, isso transparece em músculos hipertrofiados, fruto de muitas horas de academia.
Isso cria dois mundos separados, num onde o status está em tecnologia e comodidade, e outro onde a pessoa faz força tendo o corpo como único objetivo. A pessoa rica e bem empregada não fará, no ambiente de trabalho, mais esforço do que erguer mais do que uma pilha de papéis; na academia, ela levantará o maior peso que conseguir, repetidamente, só pra recolocará no lugar. Basta pensar que hoje em dia não há nada mais vergonhoso e constrangedor do que suar em público. Se acompanhado de cheiro, é causa de ostracismo. O ideal é nunca suar. Ver alguém suar, fora da academia ou do ambiente doméstico, é como partilhar de uma intimidade indesejada. Àqueles que têm tendência a suar muito, o mercado lhe oferece alternativas que vão desde desodorantes antitranspirantes fortes até operações.
Como apontou Elias, em contraste com o homem medieval que cuspia, suava, fedia, devolvia comida mastigada no prato e soltava todas as suas secreções em público, nos encaminhamos para uma civilização cada vez mais contida. É realmente um desafio cercar o mundo de comidas que engordam e se sentir obrigado a dizer não a elas, sob o risco de ficar fora dos padrões de beleza; buscar uma existência cada vez mais cômoda e sem esforço, mas valorizar o corpo musculoso e magro; existir, ser provido de corpo e sentimentos, e jamais deixar que eles transpirem em público.
Uma vez, um diabo, já entrado em anos e a quem tinham apelidado, no inferno, de Narigão, sentiu, inesperadamente, certa inclinação à virtude. Entregara-se na sua mocidade, como todos os diabos, a insignificantes proezas diabólicas, mas, com a idade, já um tanto cansado do seu oficio, tornara-se comedido.
Embora gozasse de ótima saúde, os excessos juvenis quebraram-lhe um pouco as forças e ele não sentia entusiasmo algum pelas tolices da mocidade. Cada vez sentia mais acentuada propensão para a ordem (virtude esta muito comum entre os diabos); dotado de espírito firme e esclarecido, embora um tanto metafísico, gostava de filosofar.
Acabou por perder a fé na perfeição do inferno e nos costumes diabólicos.Enfadava-se principalmente nos dias festivos, quando não tinha nenhuma tarefa a desempenhar e não sabia como matar o tempo, tanto mais que era celibatário.
Para lutar contra essa situação que tanto lhe perturbava o espirito, entregou-se ao trabalho, mudando várias vezes de ofício.
De inicio, instalou-se como diabo tentador em uma igrejinha católica de Florença.
Ali, segundo suas próprias palavras, saboreou pela primeira vez o repouso de espirito.
Ali, também principiou sua conversão.
- Tu és um verdadeiro sábio nas questões religiosas! Realmente! - Por ventura as estudastes?
- Um pouco, respondeu modestamente o diabo. Apesar dessa modéstia, conservava sua dignidade; não se humilhava, nem demonstrava demasiada afetação.
Via-se logo que era um diabo sério, ponderado e judicioso. Não se orgulhava de seus conhecimentos, e por isso agradava ainda mais o velho sacerdote.
- Afinal - perguntou-lhe o padre - o que desejas?
Então o diabo caiu de joelhos, exclamando:
- Ensine-me, meu padre, a praticar a virtude. Sinto grande desejo disso. Eu não posso viver sem praticar a virtude, porém não sei como fazê-lo. Quanto ao Satanás e a todos os místeres diabólicos, renuncio a eles para sempre.
E, com o fito de confirmar suas palavras, o diabo cuspiu desdenhosamente três vezes seguidas.
- E o que quer dizer esta camisa nova? Ganhaste-a de presente?
- Qual! Comprei-a para dar ao primeiro que ma pedisse. Durante quinze dias estive passeando pela cidade, entre os pobres. Pediram-me tudo o que o senhor possa imaginar, menos a camisa. Provavelmente ignoram o caminho do bem.