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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Preconceito

O difícil em lidar com preconceitos é que eles se revestem de informações antigas, que por sua vez se misturam com outros preconceitos, premissas religiosas, suposições psedo-científicas e interpretações maldosas de diferenças culturais. O preconceituoso se apegará a essas coisas para justificar os seus sentimentos e dificilmente permitirá uma crítica das suas posições. Dá vontade de mostrar para ele quando tudo começou - como seria mostrar para um preconceituoso um quadro onde a história não tornou o oprimido fraco demais para conseguir se defender? Estabelecidos e Outsiders, de Elias & Scotson, tem o mérito de conseguir o que parecia ser impossível: detectar um preconceito no seu nascimento, e mostrar que a vontade de segregar é que nos faz enxergar diferenças e não o contrário.

O livro acompanha a ocupação de duas áreas residenciais na Inglaterra. Os moradores das duas áreas tinham tudo para se enxergarem como iguais: mesma nacionalidade ou raça, mesmas profissões e faixas salariais, mesmo nível cultural. Mas eles não se enxergavam assim. Como um dos bairros era de ocupação mais antiga, eles já tinham formado de si uma idéia de comunidade. A vizinhança já se conhecia e formava uma rede de apoio mútua. Eles eram os bons. No bairro de ocupação recente as pessoas ainda não se conheciam. A falta de uma relação mais forte entre os vizinhos os tornou vítimas frágeis da rede de fofocas do outro bairro. Em pouco tempo eles se tornaram os ruins.

O que acontece a partir daí é emblemático: a maneira como os bons se viam se torna a maneira oficial de ver a situação. Primeiro porque não havia outra maneira de pensar; depois, quando seria possível criar outra corrente de pensamento, ela já havia contaminado o outro bairro e se tornado hegemônica. Os moradores do bairro dito ruim em pouco tempo passaram a aceitar a idéia de que eram realmente inferiores. O que havia de positivo no bairro bom servia de exemplo da sua superioridade; qualquer comportamento desviante na região ruim era generalizado e ajudava a piorar sua fama. Junto com a evolução desse caso prático, Elias & Scotson resgatam outras formas de preconceito, colocam em discussão a maneira como se formaram, a dificuldade de criar uma nova forma de pensar e sair do papel de vítima. O livro argumenta que até preconceitos que atribuímos à diferenças físicas evidentes, como a cor da pele, não nascem da própria diferença. A eleição das características que dão origem a um preconceito pode variar (físicas, religiosas, sexuais, tradicionais, etc); o que não muda é utilização dessa diferença para criar uma superioridade sobre outros.

3 comentários:

  1. Interessante prof. Nikelen!
    Acho que eu conheço um caso próximo a mim e que vai de encontro com essa ideia que tu expôs. Lá na minha cidade, Caibaté, e outra cidade próxima que pertencia à Caibaté anteriormente, Mato Queimado. As duas cidades após a emancipação, apesar de sua distância próxima (12km) começaram a se ver como diferentes, apesar de sua origem ser basicamente a mesma, de colonização mista mas com primazia para a germânica. O interessante e que me intriga é que elas também tinham tudo para se enxergar como semelhantes, mas essa ideia de superioridade principalmente começou a aflorar e fazer com que Caibaté visse Mato Queimado como sinônimo de colonos no sentido mais pejorativo possível, e diversos conflitos tanto de caráter particular quanto público (por exemplo demarcação de territórios) começaram a aflorar mais e mais.
    É interessante ver como essas formas de preconceito são criadas...até esse teu post me fez ver isso mais claramente, espero ter sido claro! hehehe

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  2. Interessante ver como, em termos de preconceito, nada é longe, tudo é muito próximo e presente. Apenas, Mauro, este blog, eu indiquei, mas não é meu e sim da moça que aqui se identifica como Caminhante Diurno. Mas indico lê-lo sempre, pois é muito bom. Bjs

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  3. mas que coisa séria! hehehe
    É que vi pelo twitter, dai achei que tivesse sido tu. Mas tudo bem! é válido igual! :D

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