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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Alimentação perfeita

Cresci em meio a livros de alimentação natural e homeopatia, e minha mãe sempre se esforçou para seguir o que esses livros pregavam. Mas era muito difícil. Se por um lado as marmitas de comida macrobiótica que ela trazia determinaram o meu paladar para sempre, por outro éramos crianças e todas as crianças estão atentas às novidades das bolachas, dos chocolates, dos salgadinhos. Ela tentava achar um meio termo, se recusando a comprar Tang e dando preferência ao chocolate no lugar da bala. A intenção era ser naturalista, mas pra isso ela precisava de um tempo, dinheiro e pesquisa impossíveis para uma mulher que passava o dia inteiro fora.

Se por um lado minha mãe não conseguiu a alimentação perfeita, eu tive a oportunidade de conhecer quem conseguiu essa proeza. Era uma família formada por um casal de uma filha. Não conheci o pai, que passava quase todo o tempo na chacarazinha que eles tinham. Eu desconfiei de qualquer coisa quando a filha, que era uma pessoa muito sociável, se recusou a ir a um comes & bebes de confraternização. O convívio com a família e muitos sucos de bambu depois, me fizeram descobrir que ela e a mãe conseguiam realmente se alimentar de modo "perfeito", do modo que todos os livros de comida natural pregam. Elas eram totalmente vegetarianas e cortaram o açúcar de suas vidas. As coisas que elas comiam vinham de diferentes origens: da chácara, da hortinha no apartamento, de feiras de orgânicos e, por último, da sessão de hortifruti do supermercado perto de casa. E era apenas isso e produtos de limpeza que elas compravam lá. Tudo o que elas comiam era feito em casa e integral; graças ao talento culinário da mãe, tudo era muito gostoso.

Ao mesmo tempo, foram elas que me fizeram perceber porque minha mãe nunca conseguiu ter a alimentação natural perfeita, do mesmo modo que eu não consigo. Se nós lemos Sugar Blues e acreditamos no poder dos alimentos, o que nos falta? A família de alimentação perfeita a tinha tão perfeita que elas nunca comiam fora de casa. Seus critérios alimentares eram rigorosíssimos. A filha se viu em sérios problemas quando começou a namorar e foi conhecer a família dele. Para agradá-la, sabendo que ela não bebe refrigerante ou sucos de caixa, decidiram lhe oferecer um chá. Compraram matte leão. Mas pra quem é realmente naturalista algo que vem adoçado, cafeinado e numa garrafa pet não pode nem ser chamado de chá. Ela não aguentou beber e foi pega no flagra quando despejava o conteúdo do copo na pia da cozinha...

Por outro lado, conheço quem se despreocupe completamente com essas questões. Eu mesma fiz isso, quando casei. Adotamos aqui em casa o mesmo esquema que o Luiz estava acostumado na casa dos pais dele: geladeira sempre cheia de refrigerante, comida congelada, bolachas recheadas, muitas idas à praças de alimentação. Mais tarde, tivemos que lutar para emagrecer e eu me revelei uma grande viciada em coca-cola. A mesma coca-cola que um amigo do Luiz (cada dia mais gordo e com problemas de colesterol) toma de café-da-manhã, porque "espremer uma laranja pra fazer suco dá muito trabalho e perde muito tempo". Na falta de tempo e de habilidade para fazer uma boa comida natural, pagamos caro pra comer regularmente num restaurante vegetariano. Dá pra dizer que temos uma alimentação mais saudável do que a média. Vejo os resultados disso quando minha cunhada, que é mais nova do que o Luiz, teve que retirar pedras da vesícula e parece muito mais velha.

Por isso que eu gostei muito quando a Sonia Hirsch, na sua entrevista, falou da alimentação possível, a alimentação que conjuga o que faz bem com o que todo mundo come. Porque a comida é muito mais do que um simples combustível que nos anima. Ela está nas confraternizações entre amigos, no lanche da tarde com as visitas, nos almoços para conhecer os pais, no cafezinho com os colegas de trabalho, nos jantares de negócios. O que comemos fala da época que nós vivemos, e com quem comemos fala sobre as nossas relações . Não acho que devemos nos submeter apenas à nossa época de maneira acrítica, em matéria de comida ou em qualquer outra. Ao mesmo tempo, não conseguimos estar de todo fora dela.

3 comentários:

  1. Oi amiga, a Belos me deu seu endereço, espero que não se importe.

    Estou de casa nova, perdi o acesso do outro "A Véia do Blog", quando quiser me faça uma visita, beijos

    http://aveiadoblog.blogspot.com/

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  2. O último parágrafo está antológico. A alimentação me toca, mais por prazer hedonista que pela crença do tipo: você é o que você come. Mas, talvez, seja justamente nisso que encontrei o meu equilíbrio. Não que nunca tenha pensado em termos de alimentação natureba. Pensei sim, até porque venho de uma família da pesada. O fato, porém, é que, justamente por gostar muito de comer é que percebi que todas essa junkie food que nossa época nos envolve e submete é de sabor pavoroso. Nós nos viciamos nela, perdemos a crítica, engolimos para poupar tempo, jogamos o prazer na quantidade. Contudo, sendo honestos, aquela coisa todo é horrorosa. Não ser saudável é apenas um dos seus problemas. Ela é positivamente horrorosa! Alguém vai dizer que este é o meu gosto, sei. Mas, tente comprar um Pizza Sadia e encomendar uma igual em sua pizzaria favorita, qual é a melhor? Como o hamburguer de isopor no MacDonald e faça um em casa? Simples assim. As pessoa então argumentam com a falta de tempo e eu lembro da frase da minha mãe: engole o tempo agora e gaste no hospital mais tarde.

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  3. É verdade, Nikelen, a comida de fast food é horrível. Passamos um período sem comer, por pura economia. Quando podiamos voltar, descobrimos que era ruim. Que passavamos melhor em casa, tanto no capricho da comida como pelo ambiente. É um hábito, um vício.

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