É uma surpresa até mesmo pra mim: Travessia de Verão não me conquistou. Adoro Capote e sempre achei que qualquer livro dele é muito bom ou excelente. E, no início, ele pareceu corresponder às minhas expectativas, com uma prosa enxuta, leve, maneiras deliciosas e prosaicas de descrever as situações. Sem maiores pretensões, é um livro aparentemente simples, com poucos personagens, Nova York como cenário e um verão definitivo. Achei que leria num fôlego só, por conta de passagens como esta:
E como se todo tempo que passassem juntos não fosse suficiente, ela adquiriu o hábito de acompanhá-lo de vez em quando no trem que o levava à cidade: enquanto esperava para tomar o trem para casa junto com ele no final do dia, assistia a um filme da Broadway atrás do outros. Mas não havia tranquilidade para ela; ela não conseguia entender por que aquela alegria que sentira no começo havia se transformado em dor e agora em tormento.. Ele sabia. Tinha certeza de que ele sabia; os olhos dele, quando a viam atravessar um aposento, nadar em sua direção na piscina, aqueles olhos sabiam e não desaprovavam: assim, junto com seu amor, ela aprendeu um pouco de ódio, pois Steve Bolton sabia, e nada fazia para ajudá-la. Foi nessa época que todos os dias se tornaram infestos, um pisotear de formigas, um arrancar de asas de libélulas, acessos de raiva, aparentemente, contra tudo que fosse tão impotente quanto seu impotente e desprezado eu. E ela passou a usar os vestidos mais finos que conseguia comprar, vestidos tão finos que qualquer sombra de folha ou levantar de vento era um frescor que a acariciava; mas ela não comia, só queria saber de beber Coca-cola e fumar cigarros e dirigir seu carro, e tornou-se tão lisa e magra que os vestidos finos flutuavam em volta de seu corpo.p.33
Para mim, o início é o melhor do livro: as mudanças na narrativa acontecem de maneira natural, como se fosse um simples movimento de câmera. Cada interação descrevia as expectativas e desencontros entre os personagens - nunca de uma maneira amarga, com uma aceitação preguiçosa de que a vida é assim. Grady, a protagonista, decide não viajar com a família e quer viver. De um lado, há seu alter ego e amigo de infância Peter; de outro, seu amor secreto, Clyde, de quem pouco sabe. O que deveria ser um momento de liberdade, adquire cada vez mais profundidade e importância. Capote não consegue segurar essa mudança de intensidade e o texto perde o brilho.
No posfácio, o responsável pelo patrimônio literário de Capote explica que aquele livro foi encontrado nos papéis antigos, que surgiram após sua morte. Travessia de verão, de acordo com a correspondência de Capote, é o primeiro romance que ele escreveu, ainda adolescente, e nunca havia enviado a uma editora. Depois de duvidarem da qualidade do manuscrito, e do desejo do próprio autor de que o conhecessem, decidem que a obra possui méritos próprios merece ser publicada. Isso diz muito sobre o livro. Como fã reconheço o valor do livro, mas minha recomendação para os que não conhecem Capote é: fujam. Leiam A sangue frio ou Música para camaleões antes.