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domingo, 22 de maio de 2011

O ofício do autor, João Ubaldo Ribeiro

Muitas coisas neste mundo não podem ser descritas, como sabem os que vivem da pena, azafamados entre vocabulários e livros alheios, na perseguição da palavra acertada, da frase mais eloquente, que lhes possam render páginas extras de prosa às custas de alguma maravilha ou portento que julguem do interesse dos leitores, assim aumentando sua produção e o pouco que lhes pagam. Recorrem a comparações, fazem metáforas, fabricam adjetivos, mas tudo acaba por soar pálido e murcho, aquela maravilha ou portento esmaecendo, perdendo a vida e a grandeza, que falta do bom verbo por mais bom não pode suprir, qual seja a de não se estar presente ao indescritível. Nas minudências da intriga e do enredo, amores dificultados, maldades contra inocentes, dilemas dilacerantes, azares do Destino, coincidências enganosas, surpresas bem urdidas, arroubos de paixão e tudo mais que constitui justa matéria dos romances e novelas, nisto sai-se ele menos mal, conforme sua destreza no ofício, sendo esses enredos e intrigas os mesmos desde que o mundo é mundo. Como, porém, descrever um cheiro?

João Ubaldo Ribeiro/ Viva o povo brasileiro

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