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quinta-feira, 5 de julho de 2012

Um insight literário sobre antidepressivos

Ana Terra não tomava antidepressivo.

Por mais que os remédios estejam se tornando comuns - perigosamente comuns -, é difícil não existir uma culpa com relação a isso. A pessoa deveria ser mais forte. Ela deveria conseguir viver sem ajuda medicamentosa e não consegue. Temos em mente que as gerações anteriores passaram por situações difíceis e nunca tomaram nada. Como se em algum lugar parte dessa força tivesse se perdido. Não somos mais aqueles defendem suas terras a tiros, matam suas próprias galinhas, têm e perdem muitos filhos no parto; como se com a pacificação do dia a dia tivesse ido embora a fibra e a capacidade de superação.

Só que Ana Terra - por mais realista e simbólica que ela seja - é apenas um personagem de ficção, uma suposição de um autor contemporâneo. Uma história semelhante escrita naquela época revelaria outros aspectos. O interessante de ler livros escritos em séculos passados é justamente o que é revelado sem que os autores tenham consciência: os costumes do dia a dia, as rotinas, as reações, o que há de mais prosaico, a leitura que as pessoas fazem da sua realidade. Eu notei algo lendo Charles Dickens, que também está presente em Jane Austen, que seria "a grande doença". Depois de ficarem ricos e pobres, tomarem decisões difíceis e quase morrerem, comumente os personagens de Dickens caem doentes. Em Jane Austen, as mocinhas caem doentes depois de serem seduzidas por rapazes nobres e finalmente perceberem que eles não querem casar. Tanto num caso como no outro, os personagens ficam à beira da morte, fracos, delirantes. As pessoas à sua volta não sabem se eles serão capazes de sobreviver a tudo que passaram. É claramente uma maneira de digerir o que viveram, uma pausa para se acostumarem à sua nova realidade.

Antigamente as pessoas não tomavam antidepressivos, mas adoeciam e ficavam de luto. Hoje em dia tendemos a pensar no costume das mulheres de vestirem preto na viuvez como uma simples limitação. Como se toda viúva se sentisse como Scarllet O´Hara com vontade de participar do baile - a mesma Scarllet que, muitas páginas depois, adoece gravemente quando perde a filha. Os costumes relativos ao luto e às perdas não seriam tão duradouros se não fizessem sentido para os envolvidos. Mais do que vestir preto e adotar certas atitudes, antes havia um reconhecimento maior da dor e da necessidade de atender essa dor. Para atender a dor, era preciso tempo. Não se esperava que a pessoa passasse por situações penosas e na semana seguinte estivesse útil e sorridente de novo. Nem Ana Terra seria capaz disso sem tomar umas bolinhas.

Um comentário:

  1. Maravilhoso. Grande percepção histórica e antropológica. Além da ótima escrita!

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