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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Hitler, Joachim Fest

Depois da Segunda Guerra Mundial, surgiram um sem número de xenófobos, anti-semitas, fundamentalistas, terroristas e radicais que se dizem inspirados em Hitler e Mein Kampf. Só que o máximo que eles conseguem é serem violentos, responsáveis pela morte de alguma centena de inocentes. A trajetória deles jamais consegue se parecer com aquele que os inspira. E quando lemos a biografia de Hitler escrita por Joachim Fest, passamos a entender o porquê: Hitler não era um homem violento. Ele sonhava em ser artista, gostava de flanar pela cidade, assistir Wagner, desenhar e fazer planos mirabolantes. Sua incapacidade de criar vínculos e se dedicar com seriedade o impediu de concluir seus estudos e arranjar um emprego. Às pessoas que o conheceram, causava a impressão de ser tímido e sem importância. Ele continua assim até os trinta anos de idade, quando seu talento oratório parece ter alguma utilidade política. Mas mesmo a decisão de entrar para a política não aconteceu de maneira apaixonada:

Mas todos os documentos históricos disponíveis testemunham uma extraordinária irresolução, manifesta até nos seus últimos anos, uma angústia profunda diante de um compromisso. Essa indecisão está na base de sua inclinação, assinalada por seus parentes, indecisão que o levava a não resolver uma questão senão depois de ter esgotado a mente com vacilações contraditórias e, afinal, deixando ao acaso o encargo de decidir, como que jogando cara ou coroa para obter a resposta. Essa tendência se manifestou até o ponto culminante de uma espécie de culto da fatalidade e da providência, que o ajudava a racionalizer sua repugnância por tomar uma resolução. Há sérias razões para pensar que todas as suas decisões pessoais e até mesmo algumas de suas decisões políticas foram apenas fugas destinadas a lhe permitir escapar de outra escolha que lhe parecesse mais perigosa. Seja como for, durante toda a vida, desde que abandonou os bancos escolares, em sua mudança para Viena e para Munique, no alistamento como voluntário para a guerra, e, enfim, na decisão de envolver-se na política, é fácil achar sempre um motivo de fuga. Isso explica muito de seu comportamento posterior e até mesmo as protelações de seu fim de vida, tudo sob o signo da perplexidade.
p. 126- 127

O outro lado que explica o fenômeno Hitler está no contexto histórico. Fest descreve detalhadamente o panorama histórico da época, o anti-semitismo reinante na Europa, o darwinismo social, o impacto do Tratado de Versalhes, a ascensão do facismo, idiossincrasias da política alemã. Esses dois enfoques evitam os dois extremos possíveis em torno da figura de Hitler: considerar Hitler uma espécie de demônio encarnado, um espírito do mal com claro senso de propósito sobre o dano que iria causar à humanidade; ou uma tentar diminuir a importância de sua figura, ver nele o símbolo de um movimento que triunfaria de qualquer forma, que causaria uma guerra qualquer que fosse a pessoa no comando. Fest mostra que Hitler possui um papel central no partido nazista, que existia antes dele e provavelmente encontraria espaço para crescer muito na Alemanha; ao mesmo tempo, mostra que não é possível ignorar a força de Hitler como orador que atraía multidões, a certeza e coerência com que conduziu a todos à guerra, a importância inédita que deu aos mecanismos de propaganda.

Tudo isso torna o livro - ou os dois volumes - uma biografia definitiva. Ele pode ser lido por todos os que se interessam pela figura de Hitler e a Segunda Guerra Mundial, que se encantarão com os detalhes que não existem nos outros livros; ele também pode ser lido por qualquer um que se interesse por história, que apreciam uma pesquisa consistente e não tem medo de enfrentar muitas páginas. Um livro para experts e para tornar-se expert.

3 comentários:

  1. Compreio-os caro, os dois volumes, e há pouco lançaram a obra em edição de bolso, a preço bom. Gostei muito da prosa erudita de Fest, apesar de um excesso de seu peso germanista. Se não me engano é no prefácio que Fest estuda sobre a grandeza histórica de Hitler, e isso a 25 anos de distância (APENAS) do fim da segunda guerra, o que demonstra coragem. Era a biografia definitiva de Hitler até o lançamento recente da monumental livro do Ian Kershaw,

    http://companhiadasletras.com/detalhe.php?codigo=12507

    que, ao contrário de Fest, estuda o homem em suas picuínhas cotidianas, em sua rasura de homem absolutamente comum. Ainda não o adquiri, mas planejo (daqui uns seis meses).

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  2. Outra biografia definitiva? Não tenho paciência pra tanto Hitler não...

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  3. não é paciência para hitler, mas sobre hitler. um dos assuntos mais instigantes, sempre.

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