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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Vendendo brigadeiro na rua

Era um fim de semana e estávamos passando de carro perto do Shopping Curitiba. Quando o carro parou no sinal, veio um rapaz com uma bandeja na mão, como qualquer vendedor. Quando ele se aproximou do carro, vimos que estava vestido com roupas de classe média, falava como classe média e tinha gestos de classe média. Ele nos disse rapidamente que era um universitário e tinha feito aqueles brigadeiros para vender porque estava sem dinheiro para pagar a faculdade. Havia algo de doloroso e humilhado na sua voz e no seu olhar que me fez acreditar no que ele dizia. Nós não costumamos comprar coisas de dentro do carro, especialmente para comer. Naquela surpresa e falta de apetite que estávamos, o Luiz respondeu educadamente que não queria nada e fomos embora quando o sinal abriu.

Eu fiquei angustiada. Eu me identifiquei com o rapaz, com a dor que ele estava sentindo. Vi nele alguém como eu e o Luiz, uma pessoa que não foi criada para estar numa situação daquelas. Enchi tanto o saco e pedi tanto que o Luiz foi obrigado a dar a volta na quadra, pra tentar reencontrá-lo. Iríamos comprar o brigadeiro dele, nem que fosse para jogar fora ("Que nojo, comprar brigadeiro na rua, sabe-se lá se ele cumpriu as normas de higiene ou se estava falando a verdade?"). Não o vimos mais. Nesse meio tempo comecei a pensar nas muitas pessoas que já bateram no vidro do meu carro, com histórias tristes, pedindo por muitas coisas e que nenhuma havia me tocado daquela forma. Percebi que me identifiquei por ter visto nele um da minha classe, do meu grau de instrução. Mas enquanto aquele rapaz pediu pela sua faculdade, os outros tinham na rua sua forma de pagar por coisas muito mais básicas. Aquele rapaz era da mesma classe social que eu; os outros tinham comigo uma identidade muito mais profunda, os outros eram seres humanos. O fato de alguns serem educados para pagar faculdades e outros para mendigar não faz com que precisar pedir seja digno para uns e não o seja para outros. Com nesse pensamento, me senti consolada por não ter ajudado o universitário, e desconsolada por todos os outros a quem disse não sem a menor culpa.

5 comentários:

  1. É isso mesmo. Vemos o mundo a partir de onde estamos. Superar isso é exercício que exige atenção e sensibilidade. Belo texto!

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  2. Exercício de olhar o outro sempre.

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  3. a impermanência da vida!

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  4. Fátima Avila6:20 AM

    No contexto da tua história: pela primeira vez, busquei cartinhas de pedidos pro Papai Noel no Correio, pois sempre fui contra a essa forma de caridade, ainda mais em data que não tem significado algum para mim. Mas - creio que pra minimizar meu gesto caritativo - escolhi 7 daquelas que pediam material escolar. Sendo de classe média, com um emprego que só o curso superior me proporcionou, e com filhos que fizeram o mesmo caminho, minha visão de vida e profissão tem este prisma. Não consigo elaborar muito se fiz apenas por mim, mas queria ser uma mosca para ver o rostinho da menina de 10 anos que pediu um caderno e ganhou uma mochila que continha o caderno e muitas outras cocitas... Enfim, no natal de 2012 farei a mesma coisa!

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  5. OS VIRA-LATAS
    by Ramiro Conceição


    Toda gente
    tem seu tempo
    de cão largado,
    de cadela rejeitada,
    de cachorro chutado, porém safado,
    rafeiro com pedigree de vira-lata do
    amor.


    PS: Feliz Ano Novo, Caminhante.

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