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domingo, 14 de agosto de 2011

Paternidade voluntária

Já escrevi aqui falando das mães, e do quanto esse papel é pesado. A paternidade está livre de todas essas sanções. É possível para o homem ser apenas doador de esperma. A partir da concepção, ele pode sumir a qualquer momento: pode não estar presente na gravidez, pode não acompanhar o nascimento do filho, pode negar a ele seu sobrenome e direitos legais, pode sumir na infância e pro resto da vida. Mesmo para aqueles que não somem, é sempre possível ser um pai que acompanha apenas os momentos gostosos, e reserva à mãe toda a tarefa desagradável de exigir limpeza, pontualidade, lições de casa, enfim, a tarefa de transformar um filho num civilizado, num cidadão. Há um episódio do New Adventuries of Old Christinne que trata disso: o filho dela passa a semana inteira esperando pelo fim de semana, quando encontra seu pai e se diverte muito. Estar com ela era fazer as coisas chatas - mas ao mesmo tempo, era estar in home.

Sou filha de pais separados e vivi algo que infelizmente é bastante comum: pais que levam os filhos a escolherem um lado. Vivi isso na minha infância, vi na infância de outras pessoas da minha família, vejo na sobrinha do Luiz. E vejo até em casais casados há muitos anos, mas que mantém o casamento por interesses muito diferentes do amor. Como os filhos geralmente moram com a mãe, mesmo sem perceber escolhem o lado dela; eles acreditam na razão da mãe ou que a família dela possui os melhores valores. Entendo que é difícil deixar de viver com alguém e ainda sentir admiração pelo outro - ou pelo menos não deixar transparecer a raiva e o desprezo. Some-se isso à tendência dos mais jovens a verem o mundo em preto e branco, com vilões e mocinhos, e está feito: o pai é o mau, o inútil, o dispensável. Em casos assim, há a tendência a passar um vida inteira de mágoa e acusação com o pai, para apenas na idade adulta conseguir ver as coisas em perspectiva. Depois, lamenta-se tantos anos de equívocos e afastamento. Acho tão triste, porque fiz com o meu e não consigo evitar que façam com os pais dos outros. Levar uma vida para entender o pai parece ser um caminho inevitável para muitos. Existe até um termo técnico para isso: síndrome da alienação parental.

É fácil se afastar sendo pai, é fácil afastar a figura do pai. Justamente por essas facilidades a paternidade assumida se torna tão bonita. Eles não precisam e podem não ser tantos quanto gostaríamos, mas existem sim pais que fazem de tudo para estar com os filhos. Pais completamente babões, apaixonados, que planejam suas vidas de maneira a estarem presentes o máximo possível. Um dia estava no ônibus e senti lagrimas saltarem aos olhos ao ver o pai com um filho - o menino, bastante desajeitado, fazia questão de sentar sozinho no banco que ainda era alto pra ele. O pai o acompanhou com olhos amorosos, e teve cuidado de deixar o menino se virar sozinho. Esse pai me fez lembrar de todo o imaginário que cerca esse papel, da mãe com suas asas quentinhas e o pai que prepara para o mundo. É um alívio uma mulher não ter que assumir tudo, e é muito bonito quando um homem se dispõe a ser essa figura.

4 comentários:

  1. Texto muito bonito.
    Eu sou pai por escolha. Por coincidência hoje fazem exatamente dois anos que meus filhos vieram morar comigo. E posso dizer que esses foram o par de anos mais difíceis e recompensadores que tive. Mas também sei o que é ficar longe deles. Por motivos de trabalho so estou em casa nos finais de semana. Sei o quão pesada é a carga que minha esposa carrega sozinha. Tudo que posso fazer é esperar que minhas crianças entendam porque estou longe e que apreciem os momentos que passamos juntos.

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  2. Posso falar apenas da minha experiência: fiz de tudo pra me entender com meu pai, mas ele fez questão de me humilhar até literalmente o último momento de vida. Então sim, vivo com mágoas até hoje. Inclusive com a família paterna, que presenciou tudo isso sem nunca me dar alento, pelo contrário, sempre me acusando de fraco ou rebelde sem causa. Tudo isso e mais alguns problemas foi o que me fizeram sair do Recife pra nunca mais voltar.

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  3. Por isso que eu acho, Bruno, que pais que fazem por merecer esse papel (igual o Cristiano aí em cima) têm muito valor. Porque o que se vê por aí, na grande maioria, não é isso. Hoje mesmo, na minha TL, uma mãe comentou que o seu filho passou o dia chorando, porque há 5 anos não vê o pai no dia dos pais. Não conheço o resto da história, mas sei que foi uma escolha desse pai. São tantos exemplos, não é à toa que são muitas mães as que merecem e recebem homenagens nesse dia também.

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  4. Eu tenho muita sorte. Meu pai sempre foi muito presente e amoroso. E o pai do meu filho \o/. Somos separados a doze anos, mas ele nunca deixou de ir a uma consulta médica, uma reunião de pais, nada. Ele está lá para o Samuel na hora dos risos mas também pra cortar a unha, lavar o cabelo, tudo. O Samuel sempre morou comigo (mas passava muito tempo com ele, pelo menos 3 dias na semana). A partir do próximo ano morará com o pai (e eu em outra cidade). Dói mas é fruto de muita conversa dos 3 e uma convicção que será o melhor. Fim do momento confissão. Obrigada pelo texto.

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