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terça-feira, 28 de junho de 2011

Tatuagem versus todo o resto

O discurso da tatuagem é da extrema personalização. Cada corpo tatuado se transformaria num corpo único, que reflete através dos desenhos a personalidade do seu dono. Pois é ele quem escolhe a figura, as cores, as dimensões, a localização. Por isso, um corpo tatuado nunca seria igual ao outro, ele diria algo que o corpo em branco não teria. Ele contaria uma história através de seus desenhos. As desbotadas ou cujo tema não se parecem mais com o dono, mostrariam o que um dia foi importante para ele e o que estava vivendo naquele momento. Outras seriam para sempre recentes - através de seus retoques - e diriam quem a pessoa é, seriam verdadeiros símbolos dos seus donos. Chega um certo ponto em que a pessoa não pode mais ser dissociada das tatuagens que ostenta. A tatuagem seria, assim, reflexo da vontade de ser único e demarcar no corpo o que há de singular em cada um.

Ao mesmo tempo, a própria popularização das tatuagens depõe contra essa idéia. Os estúdios de tatuagem não param de surgir e é cada vez maior o número de pessoas que procuram fazer um desenho definitivo no corpo. São diversas faixas etárias - adolescentes que insistem com seus pais para fazerem tatuagem antes da maioridade, adultos e até mesmo pessoas mais velhas que querem também ter uma marca. Os desenhos têm se tornado cada vez maiores, e dizem que tatuagem vicia, que fazer uma dá vontade de fazer outra e mais outra; muitos têm o objetivo de se tornar um quadrinho humano. Quando eu era criança, ouvia falar que os japoneses compravam pele tatuada pra fazer abajur. Lembro também a rejeição que Penélope Nova causava com seus braços cobertos de desenhos. Hoje isso se tornou mais comum. Se antes a tatuagem estava ligada à marginalidade, bandas de heavy metal e serviam como expressão de revolta, agora são estrelinhas no pulso de adolescentes, nomes de filhos escritos com letras cursivas nas costas das mães, escudos de time na pele dos torcedores mais fanáticos. Das mais feias e escritas em inglês ruim às artísticas dos estúdios mais caros, não é preciso adotar qualquer crença para se tatuar - basta achar bonito. Os preconceitos contra tatuagens, em proporção, também diminuiram muito.

Como as coisas que eu citei deixam perceber, as tatuagens claramente obedecem aos padrões de idade e gênero. As meninas costumam tatuar flores, insetos bonitos e voadores, fadas, estrelas, linhas suaves e, à medida que crescem, acrescentam a esses elementos símbolos e citações, mas sempre associados à idéia de feminilidade e delicadeza. As tatuagens masculinas costumam ter caveiras, insetos asquerosos ou animais pestilentos, mulheres em atitudes ou formas provocantes, símbolos esportivos, linhas bruscas que remetem à idéia de força e virilidade. Mesmo quando uma mulher faz uma caveira, essa caveira será bonita ou terá um acessório que indique que ela é fêmea. Ou seja, a escolha pelo tema da tatuagem não é tão livre quanto seus donos imaginam. Eles obedecem regras não-escritas, do que fica bem em homens e mulheres. A visão de uma tatuagem consegue, isoladamente, revelar um pouco de quem a porta.

Mas isso é bastante previsível, e na realidade não me incomoda. O que realmente me parece incoerente é buscar uma diferença na pele e se submeter a todos os outros padrões de beleza uniformizadores. A visão de um corpo jovem cheio de lindas tatuagens está em todos os lugares, como exemplos do trabalho de seus artistas ou como símbolos de um certo fetiche. No entando, a visão de um corpo velho tatuado costuma causar repulsa, como se uma coisa não fosse consequencia da outra. Ao invés de assumirem seus corpos nas suas mais particulares, na formas como ele é e como ele muda com a passagem dos anos, a moda da tatuagem anda de mãos dadas com o padrão vigente. Ou seja, o corpo tatuado bonito é jovem, magro, trabalhado em academia e submetido a cirurgias plásticas. Para mostrar a tatuagem presente nas costas, na cintura, na virilha, no dorso ou em outros lugares, só é considerado estético se for um corpo "perfeito". A tatuagem serve para ressaltar a barriga tanquinho, o braço forte, a cintura fina, as formas inchadas ou ultra arredondadas do silicone. A pele flácida ou gorda não tem licença pra ostentar tatuagem. Aí algo que serviria para ressaltar o diferente, só aparece se estiver estritamente igual ao que as revistas pregam.

Desse modo, me parece que a tatuagem é realmente uma maneira superficial - epidérmica - de personalizar o corpo. Se de um lado é uma escolha totalmente individual, de outro é submissa a padrões de idade, beleza e gênero bastante precisos. Ao ter perdido a associação com o comportamento outsider, perdeu também sua característica de crítica e se tornou mais uma forma de adorno. O indivíduo que se tatua vê nesse comportamento algo individual, mas só se sente estimulado a fazer isso porque todos a sua volta estão fazendo, ou seja - atende novamente ao coletivo.

6 comentários:

  1. Bom, eu não vejo algo individual na minha decisão de ter tattos, eu tive muita consciência de que com as tatuagens faria parte de um grupo.

    E eu acho o máximo!

    Quanto a ser velho cheio de tatuagens, não vou estar sozinha. Uma galera idosa vai ser tatuada junto comigo.

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  2. Não podia ser muito diferente, sociedade e indivíduos estão sempre se retroalimentando...

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  3. Anônimo9:16 PM

    Está ai um ponto que eu não tinha pensado...adoro seus textos Caminhante!

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  4. NÃO OLVIDAR A IDÉIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO PRESENTE NOS TRIBAIS PREFACIANDO A BUNDA. E NAS TRÊS ESTRELINHAS COLORIDINHAS ATRÁS DAS ORELHINHAS.

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  5. POR CONTA DA BÜNDCHEN, TODO MUNDO TEM ESTRELA NO ANTEBRAÇO(NÃO NECESSARIAMENTE PULSO) E, FAZ UNS ANOS, PILCE NO EMBIGO. EU FICO AQUI PENSANDO SE O NEYMAR TATUA AS FUÇAS DO LULA, NO PESCOÇO, QUANTOS COPIAM...

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  6. Anônimo11:00 AM

    não é pulso, é punho

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