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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Justiça

A experiência tem-me mostrado que o meio mais rápido de obter justiça é fazer justiça ao adversário.
Gandhi/ Minha vida e minhas experiências com a verdade

Eu anotei essa frase porque ela me chamou atenção quando li o livro, há mais de dez anos, mas não sabia se concordava. Porque quando temos um inimigo, a vontade é de expor e maltratar. Pegarei o exemplo de algo indefensável: o caso da professora universitária que aliciou uma menor para uma sessão de sadomasoquismo. Está claro que foi ela e não tem como relativizar o ato. Se todos concordamos que é um ato abominável, vem daí o desejo de expor essa mulher, esse monstro, como uma espécie de vingança. Ao invés de mostrar a cara da professora em  fotos comuns ou uma 3x4, a imprensa expõe as fotos que ela tirou nas suas sessões com o namorado: nua, amordaçada, com objetos na boca. Sem os olhos de quem está participando do jogo, reparamos nos defeitos, na qualidade das fotos, no ridículo. Ficamos espantados de ver uma mulher comum - madura, acima do peso, até com problemas de locomoção - fazer essas coisas. E quem vai se opor à exposição dessas fotos? Querer defender a privacidade desse conteúdo soa como aprovação ao aliciamento. Ela tirava fotos dos outros, punha em sites, aliciou uma menor, então tudo o que se fizer com a imagem dela parecerá pouco.

Não sou advogada e não sei dizer que direitos essa mulher possui legalmente. Com meu olhar leigo, percebo que essas fotos:

* Fazem de uma crueldade pretexto para se cometer outra crueldade. A mãe, irmãos e família que essa professora certamente tem também estão sendo atingidos. Ou será que ser parente de pedófilo também é crime?
* Reforçam preconceitos. É preciso separar as coisas: praticar sadomasoquismo não é sinônimo de pedofilia. Nem ser mulher, ser gorda ou ser professora universitária.
* Aumentam a intolerância. A superexposição desse tipo de caso tem um papel de alerta duvidoso. Já a comoção e as tentativas de linchamento já estão acontecendo.

São nos comportamentos desviantes - ou criminosos, ou doentios, ou chocantes - que nossa capacidade é testada. É muito fácil respeitar o que não nos incomoda. Tolerar a perda de direitos individuais é deixar crescer um tipo de atitude que pode se voltar contra nós mesmos. A história está cheia de exemplos de injustiças, de épocas de extrema intolerância, do terror que esse tipo de noção acarreta. Queremos um mundo melhor e o respeito a princípios fundamentais, mas o caminho para chegar até isso não é claro. Muito melhor é assumir o quanto nossa capacidade de julgar e punir de maneira proporcional é falha. Eu não sei o que merece quem machuca uma criança num sentido tão profundo: prisão, tortura, chibatadas, tudo isso junto? Seja lá o que for, essa professora deve ser punida pelo que fez - e tão somente pelo que fez. Que a punição dela não arraste consigo coisas que não tem a ver com seu crime e não dê espaço a outras atitudes, outros crimes. Porque essa é a justiça que gostaríamos que fosse aplicada a nós mesmos e que torna o mundo um lugar viável.

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