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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Nego Leléu

De vários tipos inesquecíveis de Viva o Povo Brasileiro, Nego Leléu é um dos melhores. Diria que é um dos personagens memoráveis da literatura brasileira, e um dos que eu guardo comigo. Ele consegue ser engraçado e profundo; seu envelhecimento nos mostra nuances cada vez mais ricas, que acabam por arrebatar o leitor. Gosto deste trecho que, mais do que Leléu, exibe a prosa fluida de João Ubaldo Ribeiro. Ele conduz o leitor por expressões e referências que o têm tudo a ver com a época e a geografia de Nego Leléu. Além de ser forte e estimulante. Se você acredita que em um único parágrafo é possível reconhecer um bom autor, entenderá o sucesso do livro:

Mas Nego Leléu se entrega? Entrega não! Sabe como é a baleia que se apelida de Toadeira? É o mais valente ser vivente existente, que recebe pelo flanco arpoadas, que se vê cercado dos inimigos mais mortais que qualquer bicho pode ter, que vê o mar virado num espinheiro fatal e então, levantando o dorso como um cavalo de nobreza, sacudindo a cabeça como um combatente que não se rende, não dá ousadia de bufar, não dá ousadia de gemer, mas segura o ardor de tantos dardos lhe mordendo as costas, manda que seu sangue lhe seja fiel naquela hora e, com um arranco a que nada na terra pode resistir, estraçalha o que lhe vier à frente e leva barco, leva gente, leva corda, leva tudo, num carreirão de espuma e água pelos sete mares, vencendo assim quem quer que pensa que é vencido aquele que vencido não vai ser, pela força do orgulho e da resistência. Eu não sou nada, pensou. Nego Leléu aos poucos foi se virando numa baleia Toadeira, sou um negro safado que nunca ninguém quis, mas eu sou eu e não há esse trabalho que eu queira trabalhar que não trabalhe e esta corda eu puxo, este barco inimigo eu destruo, à topetadas, neste mar eu mergulho, vamos lá, Nego Leléu!
Viva o Povo Brasileiro, p.327

Um comentário:

  1. Bela homenagem e concordo inteiramente contigo: é um dos personagens mais queridos que tenho em minha vida de leitor. Uma aula de história e de humanidade que nos dá o João Ubaldo.
    Muito mais queria dizer, porém, mais não digo, para não tirar o prazer de quem quiser ler o romance. E leiam pelamordedeus!
    Parabéns pelo post!

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